Morte Suspensa
Temos assistido, com uma postura quase novelística, aos sucessivos raptos de estrangeiros no conflito iraquiano. Usamos aqui o termo conflito de uma maneira que, não deixando de ser manipuladora, traduz em si um erro de base. É óbvio que para todos os minimamente esclarecidos trata-se, sem sombra de qualquer dúvida, de uma guerra com cabeça tronco e membros pelos ares. Mas, pelos vistos, a básica comunicação social e a política de massacre da máquina de guerra ocidental prefere continuar a chamar à mesma guerra conflito, com a mesma lógica de se chamar incidente a um assassinato.
Mas, não nos perdendo mais neste enorme parêntesis da invisibilidade da palavra manipulada, temos assistido, no caso dos reféns, a um autêntico baile de nervos em torno da suposta morte suspensa. As pessoas parecem mais sensibilizadas em torno do que vai acontecer ou não, numa espécie de folhetim que se arrasta e arrasta cheio de suposições e negociações em torno do que parece inegociável-a retirada do Iraque de todos os opressores estrangeiros. Mas não, parece que até os mesmos raptores seguem uma óptica novelesca deixando a morte anunciada para um episódio seguinte. Não deixa de ser curioso eles utilizarem uma certa lógica selectiva em torno dos que vão ser, ou não, eliminados-não foi à toa que pouparam (para contar a história e, talvez, tornar-se mundialmente famoso) um jornalista francês e eliminaram um segurança italiano. Parecem seguir um padrão de comportamento específico, o que não deixa de ser curioso. Esta mesma lógica não é aplicada, em nenhuma condição, no caso das potências invasoras e lacaios que os seguem. Para eles a única lógica é apenas a eliminação do inimigo, do outro, do iraquiano-o que também não deixa de ser curioso, porque tornou-se particularmente visível que, tirando meia dúzia de interesseiros, acabam por não ter ninguém do seu lado. Talvez queiram reinar sobre os cadáveres, não sei. Criaram um fosso de estupidez em que o único sentido parece ser apenas o da eliminação contínua de todos aqueles que resistem e que recusam ter de fazer o papel de novos cães amestrados da democracia das granadas e da carne para fazer hamburgers-que tenta reduzir todos os povos (principalmente os não ocidentais) a um modelo específico facilmente reconhecido. Este mesmo modelo não busca a igualdade entre os povos, busca, antes de tudo, uma conversão a um sistema que sobrevive, única e apenas, na manutenção e no cavar do fosso cheio de cadáveres dos dominados, sob a sombra da pá ferrugenta daqueles que dominam.
Mas, pelos vistos. esta mesma guerra parece estar a dar um volte face. A mentalidade racista e eurocêntrica do espectador médio consegue dormir de sono tranquilo com as imagens de iraquianos mortos e sujeitos a tratamentos abjectos por parte dos soldados de Bush e dos seus lacaios-mesmo que sejam crianças a postura é pouco mais que um encolher de ombros impotente. No caso dos reféns isso não acontece, mesmo que quase nenhum tenha sido abatido, consegue causar nas pessoas um agudo sentimento de desconforto perante a iminência da morte. Da morte ocidental. Da morte branca. Da “nossa” morte.
Se era culpada a criança iraquiana que brincava na rua por que é seria inocente o funcionário italiano que lá trabalhava?
Se é apenas um jogo as regras têm de ser iguais. E este é apenas o jogo da morte suspensa e do peso e da responsabilidade que cada país tem pela vida de cada um dos seus cidadãos. É óbvio que todos os governos assassinos representados no Iraque preferiam mil vezes que cada um daqueles homens e mulheres tivesse sido abatido à queima roupa. Mas não, isso seria demasiado fácil e faz com que tenham de provar do seu próprio veneno-no fundo, os raptores fazem o mesmo que os estrangeiros fizeram quando exibiram as patéticas imagens do patético Hussein na televisão. A isto se chama combater o inimigo com as suas próprias armas e a guerrilha iraquiana parece ter aprendido bem a lição. Porque mais do que pela contagem de cadáveres as guerras ganham-se, principalmente, pelo jogo psicológico. E nisso a resistência iraquiana está a vencer. Obrigando os grandes senhores da guerra a negociarem acabam por dar uma grande lição àqueles que não o souberam nem o procuraram fazer. No caso destes últimos, mesmo que não o façam, são obrigados a fingir que o estão a fazer, provocando na cabeça dos carneiros que os elegeram a imagem de fraqueza e de perde de controle perante uma situação que nunca o teve.
Sendo assim, cada um de nós vai aguardando pelos próximos episódios, aguardando pelo novo desenlace em torno da morte suspensa.
Ricardo Mendonça Marques
Temos assistido, com uma postura quase novelística, aos sucessivos raptos de estrangeiros no conflito iraquiano. Usamos aqui o termo conflito de uma maneira que, não deixando de ser manipuladora, traduz em si um erro de base. É óbvio que para todos os minimamente esclarecidos trata-se, sem sombra de qualquer dúvida, de uma guerra com cabeça tronco e membros pelos ares. Mas, pelos vistos, a básica comunicação social e a política de massacre da máquina de guerra ocidental prefere continuar a chamar à mesma guerra conflito, com a mesma lógica de se chamar incidente a um assassinato.
Mas, não nos perdendo mais neste enorme parêntesis da invisibilidade da palavra manipulada, temos assistido, no caso dos reféns, a um autêntico baile de nervos em torno da suposta morte suspensa. As pessoas parecem mais sensibilizadas em torno do que vai acontecer ou não, numa espécie de folhetim que se arrasta e arrasta cheio de suposições e negociações em torno do que parece inegociável-a retirada do Iraque de todos os opressores estrangeiros. Mas não, parece que até os mesmos raptores seguem uma óptica novelesca deixando a morte anunciada para um episódio seguinte. Não deixa de ser curioso eles utilizarem uma certa lógica selectiva em torno dos que vão ser, ou não, eliminados-não foi à toa que pouparam (para contar a história e, talvez, tornar-se mundialmente famoso) um jornalista francês e eliminaram um segurança italiano. Parecem seguir um padrão de comportamento específico, o que não deixa de ser curioso. Esta mesma lógica não é aplicada, em nenhuma condição, no caso das potências invasoras e lacaios que os seguem. Para eles a única lógica é apenas a eliminação do inimigo, do outro, do iraquiano-o que também não deixa de ser curioso, porque tornou-se particularmente visível que, tirando meia dúzia de interesseiros, acabam por não ter ninguém do seu lado. Talvez queiram reinar sobre os cadáveres, não sei. Criaram um fosso de estupidez em que o único sentido parece ser apenas o da eliminação contínua de todos aqueles que resistem e que recusam ter de fazer o papel de novos cães amestrados da democracia das granadas e da carne para fazer hamburgers-que tenta reduzir todos os povos (principalmente os não ocidentais) a um modelo específico facilmente reconhecido. Este mesmo modelo não busca a igualdade entre os povos, busca, antes de tudo, uma conversão a um sistema que sobrevive, única e apenas, na manutenção e no cavar do fosso cheio de cadáveres dos dominados, sob a sombra da pá ferrugenta daqueles que dominam.
Mas, pelos vistos. esta mesma guerra parece estar a dar um volte face. A mentalidade racista e eurocêntrica do espectador médio consegue dormir de sono tranquilo com as imagens de iraquianos mortos e sujeitos a tratamentos abjectos por parte dos soldados de Bush e dos seus lacaios-mesmo que sejam crianças a postura é pouco mais que um encolher de ombros impotente. No caso dos reféns isso não acontece, mesmo que quase nenhum tenha sido abatido, consegue causar nas pessoas um agudo sentimento de desconforto perante a iminência da morte. Da morte ocidental. Da morte branca. Da “nossa” morte.
Se era culpada a criança iraquiana que brincava na rua por que é seria inocente o funcionário italiano que lá trabalhava?
Se é apenas um jogo as regras têm de ser iguais. E este é apenas o jogo da morte suspensa e do peso e da responsabilidade que cada país tem pela vida de cada um dos seus cidadãos. É óbvio que todos os governos assassinos representados no Iraque preferiam mil vezes que cada um daqueles homens e mulheres tivesse sido abatido à queima roupa. Mas não, isso seria demasiado fácil e faz com que tenham de provar do seu próprio veneno-no fundo, os raptores fazem o mesmo que os estrangeiros fizeram quando exibiram as patéticas imagens do patético Hussein na televisão. A isto se chama combater o inimigo com as suas próprias armas e a guerrilha iraquiana parece ter aprendido bem a lição. Porque mais do que pela contagem de cadáveres as guerras ganham-se, principalmente, pelo jogo psicológico. E nisso a resistência iraquiana está a vencer. Obrigando os grandes senhores da guerra a negociarem acabam por dar uma grande lição àqueles que não o souberam nem o procuraram fazer. No caso destes últimos, mesmo que não o façam, são obrigados a fingir que o estão a fazer, provocando na cabeça dos carneiros que os elegeram a imagem de fraqueza e de perde de controle perante uma situação que nunca o teve.
Sendo assim, cada um de nós vai aguardando pelos próximos episódios, aguardando pelo novo desenlace em torno da morte suspensa.
Ricardo Mendonça Marques
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