Subversos

Derrames cerebrais com vida própria

sexta-feira, abril 09, 2004

Incógnita

tzing… a bala ricocheteia contra a
rocha. Acerta num pássaro que
trazia no bico a flor mais roxa

sais
a arma no coldre o coração num bolso roto
a serpente à volta do pescoço um colar de nojo
o mundo guardado em bocados num livro rasgado
rolam as lágrimas na cara dos outros e hoje…
um dia tão lindo para dar tiros nos
cornos mas não nos teus… é claro
para quê ir mais longe? a vítima já
morreu e hoje é dia dos santos
halloween numa versão mais soft

a arma no coldre o coração guardado num bolso
roto e seis balas de prata; billy the kid ou o
unforgiven num cavalo de nojo e
de negro apanhas o comboio dos duros
servem-te bourbon estás tonto ao terceiro copo
crianças rolam nos vidros
lágrimas tontas, felicidades e doces rastejam em
curvas soltas “um doce senhor ou uma travessura?” perguntam
sorris, mostras-lhes a pistola de bronze nenhuma estrela

a 120 à hora num cavalo de branco e de nojo

a vítima já morreu e o coração num bolso
roto, rasgado, presta-se a escorregar pelas pernas abaixo
dia dos mortos, halloween numa versão mais soft

chegas ao sítio marcado a 120 à hora
a cruz sobre a cruz o X no sítio marcado
o morto já morto que ainda pulsa sem pulso
o tempo foi ontem e do berço
ao caixão a distância… tudo o resto… retratos

entras negro entre negros véus e além
o X marcado no rosto o
fim da linha no rosto
“a ruga não crescerá para além do hoje” pensas
quando te preparas para enviar para longe a sombra
sentas-te, apontas a arma de seis balas de prata
quantas estrelas não chorarão por ti… hesitas
não! não irás mais longe… a ruga deve continuar

encontras como homem-santo o X que juraras matar
tantos anos tantas balas tantos seis de prata
encolhido e negro afastas-te para além
do negro avançando negro ao cavalo de nojo
imaginando tonto “… mas o teu deus pagará por ti!”
mas o céu que olhas não tem forma
“mais de seis balas” pensas
mais de seis balas…

segues em frente e num momento hesitas
irrompe-se uma sombra para além da tua que estaca
a teus olhos o X, o homem-santo sorri por entre
o fumo branco dos seus lábios
nas mãos um livro que abre e começa a ler
paras a ouvi-lo, baixas a arma
por trás o riso de crianças
“pai… profeta… deus… perdoa-me dos meus crimes!”
entregas-te, despes-te como se pudesses virar a página

não mais negro não mais nojo não mais prata

ele vira a página e além dela… sombras
das sombras a arma e então vês um enorme X
uma bala… um fim… um morto
tu morto e ele sorri e pensa
“bem… já que é dia dos mortos! ou halloween
em versão mais soft!”

algures por entre os vidros uma criança rola
o coração tão cheio o saco vazio mas…
o que é aquilo no chão?!
apanha do chão. serás tu um doce para mim
pergunta ela a um coração caído de um bolso roto
primeiro cheira depois prova e… não
é apenas mais uma maçã velha… do chão vem…
ao chão volta

tzing… a bala ricocheteia contra a rocha
acerta num pássaro que trazia no ventre
a flor mais frouxa

Ricardo Marques (1996/97)