Subversos

Derrames cerebrais com vida própria

segunda-feira, fevereiro 23, 2004

Hoje em dia vendeu-se muito a ideia do diálogo e da assertividade, mas isso não pode ser aplicado como o único modelo válido. Há muitas situações em que o conflito aberto é a única hipótese, não se pode dialogar com caveiras a não ser que sejamos uma personagem de Shakespeare.
Dentro de cada um de nós o que é que existe a não ser ossos?

Numa camioneta, não importando para que sítio ela vá, a maior parte das pessoas que se sentam atrás (digamos que uns 78% se a viagem for de noite) ou são membros de minorias étnicas (partindo do pressuposto errado que a maioria é uma etnia determinada), ou são imigrantes, ou são pobres, ou são marginais. Tal facto é inflaccionado se o destino da camioneta for para Lisboa. Repare-se na forma como as categorias aparecem expostas: minoria étnica, imigrante, pobre, marginal. Para quem observa é fácil estabelecer, mesmo que inconscientemente, uma relação associativa entre as quatro. Trata-se de um erro de base, mas que opera como um mecanismo de segregação colectiva, transfigurando-se numa realidade plena aos olhos do mais comum dos mortais. O único factor é quase sempre económico e social, cultural ao de leve, não sei. A pobreza é sempre chutada para as pontas, veja-se o exemplo dos bairros periféricos e dos bairros sociais. É segregada. Nesse sentido segrega-se a si própria. Não faz parte do jogo. Os outros não se aproximam tanto da ponta da camioneta (a não ser que sejam casais que queiram ir no marmelanço) porque sentem um medo inconsciente. Porque apenas vêem: minoria + imigrante + pobre + marginal= Todos os membros de minorias étnicas são imigrantes, todos os imigrantes são pobres, todos os pobres são marginais.

Grande parte das tipologias da exclusão partem de visões deste género.


Por isso é que, caros amigos, assistimos a muitas pérolas de sabedoria tais como:

- Todos os pretos roubam!
- Todas as brasileiras são putas!
- Todas os romenos são ciganos!
- Todos os ciganos são maus!
- Todos os pobres, de certeza, roubam!

Estabeleçamos um diálogo explicativo entre o Joaquim, advogado, e o Manuel, empregado de escritório.

- Todos os pretos roubam!
- Porquê?
- Porque são pretos!
- Por que é que roubam?
- Porque são pretos!
- Talvez, mas sabes que mais, começo a pensar que todas as brasileiras são putas.
- Porquê?
- Porque são brasileiras.
- Pois, eu pensava que também havia putas portuguesas.
- Não, todas essas portuguesas que são putas são brasileiras!
- É verdade! Mas por que é que são brasileiras?
- Porque são putas!
- Sim, mas olha que todos os romenos são ciganos.
- O que é que tem serem ciganos?
- São maus!
- Mas são maus por serem ciganos?
- Não, por serem romenos.
- Mas por que é que são romenos?
- Porque são pobres!
- Ah, mas por serem pobres é que eles roubam?
- Claro que não, é por serem ciganos.


Pois é.

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Estiarte

Braçada, braçada, braçada
Oito pés e mãos a rodar oitos
Chuágua em convulsão vívida de força
Juventude viril de touca vermelha

A arte de se estirar em voo
interferindo na trajectória do globo
amarelo Estiarte em branco

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

“ou do Novo se faz Velho e vice-versa

De facto, uma sociedade que se queira consciente tem de ser sempre uma sociedade que faz escolhas conscientes. Hoje em dia a capacidade de escolha dos indivíduos é cada vez mais diminuta. Vive, porém, a ilusão que essa escolha existe e isso é uma imagem que é sistematicamente vendida. Este é um aspecto dentro do qual a publicidade e a propaganda partidária são bons e fiéis exemplos de como a manipulação cognitiva e afectiva é direccionada, cingindo-se, quase em exclusivo, a aspectos mercantilistas, ou de saque social e humano.

Desta maneira não são só os habitantes dos guetos da exclusão que vivem como excluídos. Gradualmente os efeitos perversos de uma globalização sem controle geram esses efeitos em cada um de nós. Mesmo naqueles, que tal como eu, tecem as suas pequenas críticas. Do reclame do iogurte de dieta até ao slogan do deputado em cima de um palanque são muito curtas as distâncias, principalmente de vistas. Mas, mesmo assim, o desencanto das pessoas com os políticos é muito maior do que com os produtos que compram e compram porque todos os dias são bombardeadas para comprar e comprar. Criando elas próprias as suas necessidades básicas que depois têm de manter e manter até surgirem novas e novas necessidades. Porque os principais objectivos do mercado, mercado da comunicação incluído tendo como expoente máximo as telecomunicações, é tornar obsoletos os bens que eles próprios venderam na véspera.

Por mais críticos que sejamos, ou por mais disfóricos que nos queiram chamar, a grande verdade é que todos os ecos da sociedade do consumo e do individualismo de imitar os outros (para não nos sentirmos sós?) penetra em cada um de nós. Mesmo no espírito dos críticos que, sim é verdade, também necessitam que as coisas estejam más para poderem continuar a criticar. Justificando, desta maneira, a sua existência. Não é à toa que a sociedade da comunicação passou a promover os think tank (fazedores de opiniões), ou os chamados comentadores de serão televisivo”.

Ricardo Mendonça Marques, Os Media e a Sociedade da Exclusão

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

A cena do jorro

Corria de braços abertos
Nunca percebi ao certo que alegria toda era aquela ou seria medo desespero raiva…
A cena foi linda parecia um quadro
Que belo vestido trazia um vestidinho azul de cetim que lhe assentava tão bem ficava tão bem com a sua pele clara macia
E o vermelho…

Foi como uma dança que só se pudesse dançar uma vez
Espero que o público tenha gostado pois não voltarei a repetir
Foi lindo vê-la ali de braços abertos rodopiando
Que será que ela quis dizer com aquela carinha os olhos os olhos muito abertos a boquinha tão frágil tão linda ela toda
Que cena tão bela

E aquela voz tão macia
Estridente mas macia era como música uma música dos confins do universo que notas
Não percebi a letra mas ainda ouço o eco
Mas seria raiva alegria medo o que sentia nunca saberei
Foi inevitável aproveitar o momento ela ali rodopiante com o seu vestidinho que cena linda estava mesmo a pedir
Deixei cair a lâmina e o crânio abriu-se em dois

terça-feira, fevereiro 03, 2004

"A dor e a incerteza não obstante não obstante o maço de cigarros como um revólver carregado para o último assalto contra a saúde a pós-modernidade é um aglomerado de conceitos falhados as igrejas estão velhas os profetas ainda se passeiam por desertos repletos de auto-estradas e de fast food também eu assim me encontro na altura em que a Terra roda de cabeça para baixo para os meus problemas mesmo assim perco a razão ouço bossa nova no stereo velho e nova free jazz música cigana acid music death metal os compassos errados do maestro o violino chora como uma criança no berço pois algo ou alguém nasceu muito à frente ou muito atrás deste mundo a maior parte das vezes num outro qualquer paralelo à nossa estrada a taxa de álcool é demasiado pequena não é pelo metal que eu irei morrer acendem-se as fornalhas e tu sabes com toda a consciência sabes que será pelo fogo e será pelo gelo que será pelo ar e será pelo fogo".